Entre a memória e a História: Minha trajetória profissional


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A minha carreira, como professor, e a minha aptidão pelas Ciências Biológicas (entendo que seja convenientemente privilegiar o meu encantamento pela investigação científica) nasceu de uma maneira informal, quando ainda era criança.

Minha curiosidade pelos seres vivos manifestou-se como brincadeira; a mesma que se observa em desmontar brinquedos ou aparelhos velhos sem mais nenhuma serventia, para satisfazer a um único questionamento: “O que será que há por dentro?” No meu caso, é claro, parecia ainda mais esquisito, porque para entender como tais “mecanismos” funcionavam por dentro, precisavam estar mortos. Como eu não os matava, vivia procurando algum animal sem vida para analisá-lo.

Essa mania tornou-se mais evidente, quando comecei a colecionar borboletas. Na época, a novela “O Bem Amado” fazia um grande sucesso e o personagem Dirceu, colecionador de borboletas, instigou-me o interesse por tais insetos. Reparei, então, que a casa vizinha, abandonada, possuía, em seu grande quintal de terra, um jardim de diversas espécies de flores naturais, criadouro de vários tipos de borboletas. Minhas aventuras de meninice, nesse período, consistiam em expedições à procura de recolher aqueles bichinhos mortos de cores e desenhos diferentes, para observá-los, não tão distantes dos olhos de minha mãe.

Esta é a lembrança mais remota do nascimento de minha paixão pela Biologia, mesmo sem saber da existência de uma ciência com esse nome.

Certa vez brincava na rua ainda não asfaltada, quando um amigo me chamou para ver algo, prontamente dizendo que ia gostar. Segui-o algumas casas abaixo de onde morava e deparei com um rato morto. Sim, um rato morto! Não era como outros tantos ratos mortos que gostava de ver. Estava cheio de vermes, consumindo o seu corpo de forma intensa, deixando-me intrigado com a origem de tantas espécies. De onde surgiram? O que fariam, quando a carne terminasse?

Depois de algum tempo, um novo interesse científico surgiu em minha vida. Como gostava demais de seres vivos, sempre convivi com animais, sendo um deles um peixinho.

Cuidava do “danadinho” com tanto carinho que, certa feita, ao vê-lo boiar em suas águas, sem vida, fiquei profundamente triste. Apesar do desânimo, comecei a observá-lo em cada detalhe.

No lugar do luto, veio à mente uma ideia “deslumbrante”, pelo menos para mim. Procurei uma lâmina de barbear e (sem conter em minhas entranhas o maquiavelismo – isso nunca!) retirei o pequenino nadador para abri-lo.

Consistia ali a vontade de verificar o seu ventre. Alguém, não sei exatamente quem, comentou sobre a existência de um balão de ar dentro daqueles seres de água, fazendo-os nadar. Aqui, também sem ter conhecimento da ciência, fiz pela primeira vez uma dissecação e constatei a tal “bexiga natatória”, o real nome do órgão. Entretanto os falatórios de minha mãe ressaltaram o acontecido, pois por dias insisti em guardar o “bichano” no refrigerador de casa.

Minhas brincadeiras eram iguais aos dos outros garotos, mas minhas esquisitices eram únicas. Minhas experiências davam sempre erradas, com exceção a do peixe, completamente distantes dos filmes de ficção, exibidos na televisão, em que equipamentos sofisticados e cientistas dotados de extraordinária inteligência uniam com muito sucesso ciência e magia.

A minha intensa vontade de ser pesquisador cobria minha mente com incessantes indagações, quase sem respostas: “Como conseguem e eu não consigo?”

Creio que, muitos jovens na fase do Ensino Fundamental, o Ginásio da época, pensavam em descobrir o mundo por conta própria. Eu, particularmente, provocava uma distância incômoda, principalmente para os meus pais, entre o mundo da imaginação e o mundo real.

Por que os meus pensamentos “lunáticos” ao invés de me ajudar em meus estudos surtiam efeito contrário?   

Após um curso Primário, bastante sofrido e frequentador de todas as recuperações possíveis e imagináveis, iniciei em 1980, na Escola Municipal de Primeiro Grau Professora Joaninha Grassi Fagundes, a quinta série ginasial.  Vivi, neste ano, situações muito significativas e determinantes, talvez, para a minha transformação de estudante “reles” para “exemplar”.

Num determinado dia, minha mãe chegou a casa com o material escolar, mas dois componentes me chamaram a atenção e não se desligaram da minha memória até hoje: um compasso e uma caixa de doze lápis de cor. O compasso representou para mim um instrumento de “alta tecnologia”, daquela somente vista na TV, já que até a quarta série nem se quer manuseava caneta esferográfica. Quanto aos lápis coloridos, todos sextavados, perfeitamente enfileirados, compunham harmoniosamente a caixa de acrílico azul com tampa transparente. Um “luxo” para quem até então recebia material da APM (Associação de Pais e Mestres) – entidade que doava material aos alunos sem possibilidades de comprá-lo.

Todo esse investimento veio acompanhado de um discurso da minha mãe: “Nós estamos fazendo um sacrifício, mas confiamos que você vai fazer valer à pena esse gasto”.

Assim comecei o Curso Ginasial com uma motivação familiar da maior importância, aliada ao fato de uma organização curricular mais interessante. Cada matéria passava a ter um professor especialista. Isso foi fantástico! Um curso que me fez sentir mais adulto, além do meu próprio compasso e da minha “super” caixa de lápis de cor.

Particularmente, gostava de receber o conhecimento na forma de disciplina escolar, mas algo ainda não me completava plenamente e gerava ansiedade: a vontade de participar de processos de descobertas.

A partir daí, passei a construir uma nova identidade de estudante. Era um aluno admirado por meus professores e colegas de sala. Os meus pais trabalhavam fora e minha prima ia às reuniões de Pais e Mestres ouvir elogios. Foram tempos incríveis!

Quando passei para a sexta série, a minha classe era a mais adiantada.  Naquela época a escola formava turmas por classificação de rendimento escolar. Fui um aluno de destaque.

Certa vez fiz uma redação na aula de Português e o meu tema foi Medicina Ortopédica, baseado nos avanços da construção de próteses metálicas. A liberdade no desenvolvimento temático permitiu que cada aluno escrevesse o que era de seu maior interesse. No meu caso, sofri influências das leituras que já realizava na época. Minha produção de texto foi admirada pela professora e pelos colegas, superada apenas por uma ficção. 

A escola passou a ter um significado bem diferente do que havia sido antes. Dedicava-me intensamente a todas as atividades relacionadas a ela, mesmo quando estava em casa. Era o meu trabalho. De certa forma encontrei uma maneira de me sentir útil, uma referência de inclusão na sociedade, exatamente quando vivia um processo de auto-afirmação, característicos do início da adolescência.

Desenvolvi uma boa capacidade de abstratamente aprender, através da atenção auditiva, e continuei com dificuldades nas atividades práticas que, por sinal, foram poucas, mas me fizeram falta mais tarde, quando já lecionava, transformando-se num desafio a ser superado, principalmente nos dez primeiros anos de minha carreira docente. Dos dez anos posteriores até os dias atuais, o meu pensamento mudou. Já não luto tanto para superar as limitações das aulas práticas, pois percebi que, as mesmas, dependem de uma estrutura física e material, não disponíveis nas escolas, ao menos nas que trabalhei.

Acho essencial relatar esses fatos de forma antecipada, pois sinto que têm importância em algumas decisões tomadas no transcorrer de minha carreira e passo a relatar, a partir deste momento, o seu início.

Um dia, em uma reunião de Pais e Mestres, Dona Celina, uma vizinha, ouviu da professora que o filho, matriculado na quarta série do primeiro grau na mesma escola em que eu estudava, precisava de um acompanhamento particular em Matemática, já que os pais não tinham muito jeito “com a tal Matemática Moderna”.

Como já era conhecido pela vizinhança como um aluno aplicado e com boas notas, fui procurado por ela para dar aulas particulares ao seu filho. Concordei em ajudá-lo nas tarefas e assim, pela primeira vez, sem saber, exerci o ofício de professor.

Durante a minha convivência com ele, entendi que não havia a necessidade de ser conhecedor profundo da disciplina, pois cursava a sexta série na época e já tinha maturidade para identificar as propriedades básicas envolvidas nas operações ao ver os exemplos dados em sala.

Aos poucos percebi que bastava criar uma estratégia para ajudar o menino a superar as dificuldades e assim o fiz, foi então que aprendi a importância do ensinar.

O bom desempenho do meu aluno me encheu de orgulho e, num dia em que estava no portão de minha casa, esperando minha prima para ajudar a carregar as compras, vi a vizinha, mãe do meu aluno, chegando da feira. Ela me viu e me chamou. Agradeceu-me, contando da melhora que havia percebido no filho e do recado positivo da professora.

A mãe do garoto deu-me como pagamento o troco da feira e, neste exato instante, senti-me um profissional.

Outras famílias me procuraram para administrar aulas particulares e isso aconteceu até completar quatorze anos, até o dia em que meus pais me disseram: “Não dá mais pra segurar, o jeito é você ir trabalhar!”

Terminando a oitava série, consegui um emprego de contínuo no centro de São Paulo, numa construtora e transferi-me para o período noturno. Foi um choque de realidades. Deixei de dar aulas particulares para enfrentar um mundo absolutamente diferente, desinteressante e cruel. Fechou-se um ciclo para iniciar outro.

Minhas notas na escola tornaram-se muito baixas e fiquei na recuperação pela primeira vez, desde que começara o Ensino Fundamental II.

Assim era o mundo real, distante de todo sonho de menino e próximo de uma realidade incerta e, ao mesmo tempo, comum de pessoas que de tão envolvidas com a sua rotina, deixam de enfrentar desafios.

O impacto negativo, causado pelo trabalho nos meus estudos já estava superado, quando iniciei o  Ensino Médio, na Escola Estadual Zuleica de Barros Martins Ferreira, situada na zona Oeste de São Paulo. A expectativa de uma nova fase reacendeu as possibilidades de uma profissão relacionada à pesquisa, principalmente pelas relações entre conhecimento (teoria) e realidade (prática), estabelecida pelos professores das disciplinas. Não tão erudito e intocável, mas uma alternativa de caminho a ser percorrido conforme a aptidão do aluno, uma vez que o curso era noturno e todos trabalhavam.

Alguns de meus colegas estavam entusiasmados e totalmente comprometidos com o trabalho desempenhado durante o dia. Para eles a escola representava apenas uma obrigação, a ser cobrada pelo patrão mais cedo ou mais tarde.

Eu me encontrava num grupo menor de estudantes que via na escola uma chance profissional diretamente relacionada com os conteúdos ensinados, ou seja, a aprendizagem era significativa para a construção de uma carreira. Estava decepcionado com o meu serviço e o meu patrão não apostava muito em mim, pois havia percebido o meu interesse pelas Ciências Naturais.

Certo dia a contadora da firma falou a ele de investir em um curso técnico para me capacitar na área de Contabilidade. Sua negação foi enfática, justificando que este não era o meu objetivo na vida e, na primeira oportunidade, deixaria a empresa para ser feliz. Como deduziu isso?

No primeiro dia de serviço, questionei-o da permissão de estudar um pouco durante o expediente. Sua afirmativa acompanhou o seguinte conselho: “... desde que nada houvesse para fazer.”

Pelas horas de estudo dedicadas durante o trabalho, mereceu a minha gratidão aquele homem, mas não sei se me prejudicou durante os sete anos que ali estive ou se me ajudou a definir a minha vocação. 

Ir à escola possuía um significado muito especial, ou seja, apagava todas as tristezas acumuladas durante o dia e voltava para casa, aliviado e envolvido com as questões escolares.

Sempre tive bem definido, através das minhas experiências, o ofício de professor, como uma razão própria de existência, esteve em minha vida, como uma definição de profissão. Hoje eu sei, não obstante a minha formação, seria professor com as mesmas características. O papel de educador desenvolveu-se em minha vida antes mesmo de minha condição acadêmica. Tive o privilégio de sê-lo antes mesmo de ter a formação para isso.

É claro que dentro do contexto escolar surgiram os meus referenciais de profissão e de profissional, isto é, aqueles que demonstravam, em suas atitudes e em seus conhecimentos, o modelo de ética, compatíveis a um educador por excelência.

Três professores foram personalidades determinantes na minha opção de carreira. Duas passaram tão rapidamente pela minha vida que nem se quer lembro os seus nomes.

A primeira, ainda estudante, com uma forma descontraída de ensinar, trazia impregnado em si o conhecimento acadêmico.  Esse “tempero” mostrava o brilho de seu entusiasmo pelas matérias científicas.

A outra professora, já formada e experiente, lecionou apenas por duas semanas e afastou-se para fazer Doutorado. Sua decisão marcou-me pelo comprometimento com a aquisição de conhecimento. Deu-me a transmissão de um tom de status com a pesquisa.

O terceiro profissional foi o Professor Miguel, de saber enciclopédico e muito preparado para as atividades práticas. A sua segurança e a sua competência foram relevantes para a descoberta da minha futura formação universitária. Abandonou o Magistério para se dedicar à pesquisa e isso me fez pensar sobre a sua essência na formação profissional e pessoal de um professor.

Os exemplos inspiravam-me e vislumbravam-me uma atividade decente e valorosa, legalizando feitos passados e desabrochando o desejo existente em meu ser. Traziam à tona o retorno da minha origem, quando lecionava aulas particulares antes de trabalhar para ajudar a família. Naquela época, eu não enxergava uma profissão naquilo que desenvolvi ainda criança e deixada por dificuldades financeiras. 

Um longo período passou-se até que voltasse a ser professor novamente, porém, desta vez, de direito e de fato.

O novo na verdade era um retorno. Fazer faculdade simbolizava a realização incontida de criança. O trabalho no escritório de Construção Civil representava para mim o que a Idade Média representou para a Humanidade – as trevas.

Quando estava no terceiro ano do Ensino Médio, sabia exatamente o que fazer: Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas. Com isso, seria um especialista e teria uma profissão “estável”. Significava a perfeita união entre uma paixão pelo estudo dos seres vivos e uma experiência gratificante da infância.

Enfim, veio a alegria de passar no Vestibular e, com tal conquista, uma nova perspectiva de vida: o desconhecido.

Era o sonho de muitos jovens, na década de oitenta, mas alcançados por poucos. Lá estava na Universidade São Judas Tadeu, Faculdade de Ciências Biológicas, em meio a um sonho e a uma realidade cruel – trabalhava ainda no mesmo lugar e freqüentava o curso noturno. O abismo crescia entre as realizações dos professores no campo da pesquisa e as constantes interrogações do meu patrão sobre o meu curso, logo esquecidas. Se fosse Economia ou Contabilidade o seu procedimento seria mais eficaz.

A incrível distância entre a realidade da minha vida e a expectativa de meus sonhos proporcionava um labirinto entre o mercado de trabalho e o curso acadêmico.

Da oitava série do Ginásio até o segundo ano do Curso de Ciências Biológicas, trabalhei como contínuo, cobrador de agiota e motorista particular. Um dia, durante uma aula de Química, o Professor Moacyr comentou sobre a escassez de mão-de-obra nas escolas estaduais. Apesar da necessidade de preencher o quadro docente, as Delegacias de Ensino não conseguiam profissionais para completá-lo.

Já estava acostumado com a perda de status de professor que havia conquistado na juventude quando vi uma possibilidade de voltar a exercer o ofício, porém, desta vez, motivado pela formação universitária. Tive a consciência de que não foi uma forma muito honrosa de ingresso, pois as escolas públicas, em meados da década de oitenta, clamavam por professores estudantes, uma modalidade extinta. Entretanto, devo a este difícil momento, o meu ingresso no Magistério.

Fiz a minha inscrição na 12ª Delegacia de Ensino, como “professor aluno”, termo usado para identificar aqueles que ainda não haviam concluído o curso superior.

No dia da atribuição, diante de tanta indiferença, uma professora aposentada tranqüilizou-me e orientou-me no processo de escolha de escolas e aulas, fato que incomodou as supervisoras. Numa determinada hora, esta professora aproximou-se da bancada e uma das organizadoras do evento interpelou-a com o dizer: “Quando eu me aposentar, não vou querer saber mais de escola!” A veterana prontamente lhe respondeu: “Você é que pensa!” Palavras de quem entendia muito bem do que significava viver do Magistério.

Iniciei meu trabalho em três escolas estaduais: Canuto do Val (Barra Funda, Zona Oeste), Osmar Bastos (Vila Brasilândia, Zona Norte) e Romeu de Moraes (Vila Ipojuca, Zona Oeste), lecionando Matemática e Ciências Físicas e Biológicas. Nesse período, questionei muito o meu Curso de Licenciatura e a falta de objetividade de seu programa. Sofri de solidão pedagógica, estudando e descobrindo por meu próprio esforço como realizar meu trabalho de maneira satisfatória para mim e para a sociedade.

Participei de movimentos em prol de melhores condições de trabalho e salário. Fiquei seis meses sem receber os meus proventos. Vivi, portanto, a insegurança de não saber ao certo todos os meus direitos e deveres. Foi um momento muito preocupante.

 Abandonei um trabalho de sete anos para entrar na carreira do Magistério, justamente durante uma das maiores greves do professorado. Apesar da desconfortável situação, valeu a convivência com outros professores nas manifestações públicas, acontecidas muitas vezes na Praça da República, em frente da Secretaria de Educação.

 Durante a paralisação, como não havia previsão para a regularização dos meus vencimentos, recebi ajuda de custo da APM (Associação de Pais e Mestres) da Escola Estadual Romeu de Moraes.

Deu para entender claramente, através do meu desdobramento para exercer minha atividade nas diferentes instituições escolares localizadas em cada região paulistana e do não recebimento salarial, a dura realidade do Magistério que me aguardava.

Como não me sentia plenamente satisfeito com as minhas atribuições de professor, procurei algum estágio ou mesmo trabalho fora do Magistério. Diante de tal impasse, meu primo Gerson indicou-me ao Dr. Maspes, responsável pelo Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Nove de Julho.

Ao chegar ao laboratório, com os meus diários de classe em mãos, os funcionários observaram-me com ar de desconfiança. Como suspeitavam ser uma ameaça ao emprego de alguns, um deles me questionou se era técnico de laboratório ou se era formado em alguma especialidade. Respondi-lhe que era professor e estudante universitário. Recordo que o deixei confuso.

Ao mesmo tempo em que conhecia as dependências e os equipamentos do laboratório, o Dr. Maspes conversava comigo sobre o trabalho, fazendo perguntas e comentando da confiabilidade que depositava em mim e da minha capacidade de aprendizagem. Tudo na presença de seu sócio, alheio aos acontecimentos.

Mencionou que o trabalho no laboratório seria o meu principal emprego, sendo assim as escolas seriam um complemento que, curiosamente, me renderiam mais.

No dia seguinte, mediante tal situação, recebi, felizmente ou infelizmente, o resultado como insatisfatório, perdendo a minha primeira oportunidade efetiva de ingressar numa área de pesquisa biológica.

Enfrentei, com dedicação, o ofício de professor e me vi cada vez mais distante da pesquisa à medida que o tempo passava. Fiquei envolvido com a rotina e tornei-me um funcionário competente e responsável.

Foram muitas escolas, muitas participações em greves, muitas manifestações por melhores salários e condições de trabalho, muitas frustrações e o distanciamento do meio acadêmico.

Procurei emprego em escolas particulares. A primeira foi o Colégio de Primeiro Grau Olga Ferraz, também conhecido como Associação Cívica Feminina, antiga escola para filhas de militares da Revolução Constitucionalista.  Encontrei um modelo diferente de escola, com um perfil autoritário de direção e uma organização que permitia mais tranquilidade para trabalhar. Realizei muitos projetos e evolui como educador.

Naquela época esforçava-me para executar o método prático das aulas de Ciências, trabalhando muitas horas em casa na elaboração de atividades experimentais que relacionassem as aulas teóricas com as demonstrações, talvez numa busca incessante de compensar a dificuldade de realizar experimentos, conforme relatei anteriormente. Também porque em minhas aulas de Química Laboratorial na Universidade, o Professor Moacyr fez questão de ensinar a fazer pequenos instrumentos alternativos de laboratório, para que, segundo ele, enfrentássemos os obstáculos das escolas públicas.

Eu me sentia um monge saindo de um mosteiro para pregar meus ensinamentos pelo mundo e convencer as pessoas sobre uma nova perspectiva de vida. O problema foi a falta de estrutura das escolas, por exemplo, na Associação Cívica Feminina havia uma sala de laboratório abandonada no andar térreo do prédio. Esta usada por um Laboratório de Análises Clínicas anos antes do meu ingresso na instituição e preparado com bancadas, mas sem nenhum material para trabalho. Insisti em aulas práticas naquele espaço e mesmo em sala de aula, assim chamei a atenção de todos, principalmente da diretora, Sra. Neuza, que me deu muito apoio. Não conseguimos progredir muito, pois o colégio era mantido por pessoas que não tinham motivos para investir, naquele momento, diante de uma situação financeira nada otimista.

O meu trabalho na Associação Cívica Feminina despertou o reconhecimento da diretora que me convidou a trabalhar no extinto Colégio Piratininga onde desempenhava a função de coordenadora pedagógica.

O Colégio Piratininga proporcionou-me experiências boas e ruins. Trabalhei inicialmente no curso de Ensino Médio, vivenciando uma das piores experiências que um professor possa ter, dada a indisciplina dos alunos, gerada pela falta de organização e de projeto pedagógico da instituição, deixando claro o seu objetivo meramente financeiro.

 Entretanto, recebi o convite para lecionar no curso de Auxiliar de Farmácia e, assim, agradavelmente, conheci outra estrutura dentro do mesmo ambiente educacional, esta, porém, mais estruturada e com um alunado adulto e determinado.

Lecionei Noções Básicas de Saúde e Parasitologia Humana. Fiquei tão motivado que ingressei num programa de especialização em Análises Clínicas da Universidade São Judas Tadeu, com o objetivo de melhorar minhas aulas após a obtenção de mais conhecimento. Trabalhava, nessa época, em três escolas, sendo uma estadual: Escola Estadual de Primeiro Grau Canuto do Val e duas particulares: Associação Cívica Feminina e o Colégio Piratininga.

Logo surgiu a quarta escola, indicada pela Professora Marilda Aparecida Fonseca, do Canuto do Val, que precisava de um substituto em sua licença maternidade, no Colégio Comercial Álvares Penteado. A mesma professora já havia me ajudado no estágio.

O contato que tive com professores mais experientes me fez amadurecer muito em minha postura diante da sala de aula e das instituições educacionais. Essa convivência com profissionais mais experientes me fez definir ou delinear a profissão de professor com mais precisão, dando sentido e personalidade ao meu trabalho. O Colégio Álvares Penteado também me proporcionou a oportunidade de trabalhar pela primeira vez com um Coordenador de Área: o Professor Walter Eduardo Sardinha.

Trabalhar sob a orientação de um profissional de área foi muito bom, principalmente por ser uma escola grande e de ensino técnico. A disciplina de Ciências Físicas e Biológicas, fazendo parte de um Núcleo Comum, não tinha o mesmo atrativo de um Componente Específico, como: Contabilidade, Desenho Publicitário, Processamento de Dados etc.

Apesar de meu trabalho ser considerado pelos alunos como um “mal necessário”, eles me fizeram perceber uma boa dimensão de meu perfil profissional. Pareceu-me que certos professores do Ensino Técnico não se comportavam como “Profissionais de Educação”, geralmente se apresentavam como “Profissionais de Empresas”, com a intenção de ensinar como se trabalha e como se mantém no emprego. Isso era o que os jovens de 15 ou 16 anos buscavam naquela renomada instituição tradicional, porém faltava um “clima” escolar, que, segundo eles, eu era um professor que agia como tal e os fazia sentir alunos.

É curioso saber que muitos educandos procuram a escola técnica para fugir dos desafios que enfrentam na regular e, quando estão onde querem, sentem falta do modelo tradicional.

O fato de ser considerado um bom professor por meus alunos dos cursos de: Contabilidade, Administração, Publicidade, Processamento de Dados e Secretariado fez-me acreditar que foi referencial para eles a minha conduta de professor e não aquilo que ensinei. 

Até 1998 trabalhei no Colégio Álvares Penteado, antes já havia abandonado a rede pública por incompatibilidade de horário.

Em virtude de atrasos salariais constantes, no mesmo ano, deixei de lecionar no “Colégio Piratininga”.

Apesar de alguns percalços no cotidiano de um professor, como a instabilidade financeira, certamente estava encantado, com as possibilidades oferecidas pelas escolas particulares, ou seja, o comportamento dos alunos e os diversos interesses desses estabelecimentos educacionais. 

No mesmo ano fui trabalhar no Colégio Stella Rodrigues, com proposta pedagógica do Sistema Anglo de Ensino, portanto, “conteudista”. Na época trabalhei com a primeira turma do Ensino Médio, mas permaneci por apenas um ano.

O Colégio Stella Rodrigues, segundo colégio particular, em que exerci minha profissão sem ser apresentado por alguém, adquiri experiência de como trabalhar com uma diretora autoritária de visão empresarial. Conduzia a escola com olhar atento às expectativas dos alunos e das famílias que depositavam na instituição a confiança de uma educação conservadora e eficiente para a classe média. Um sistema de ensino terceirizado que neutralizava qualquer projeto pedagógico, qualquer tentativa de demonstração de pensamento próprio por parte dos professores, deles apenas se esperava a competência de cumprir rigorosamente o cronograma, elaborado pelo sistema educacional contratado.

Com relação ao Colégio Piratininga, os alunos pagavam para obter a aprovação, enquanto que os alunos do Colégio Stella Rodrigues pagavam para receber o conteúdo.

Na mesma ocasião (1998), fui trabalhar no Educandário São Paulo da Cruz, instituição católica confessional, comandada por Irmãs Passionistas, hoje Colégio São Paulo da Cruz, convidado por meu ex-coordenador Professor Walter Eduardo Sardinha. Iniciei minhas atividades em agosto, mas devido ao pouco tempo disponível de transitar até o Colégio Stella Rodriguez, no final do ano letivo, tive que deixar este último.

Optei pelo Colégio São Paulo da Cruz pela sua proposta pedagógica humanista, ou seja, o sujeito, privilegiado em suas possibilidades de aprendizado, se convence de que este é o meio de se preparar para a vida.

Mais um convite interessante surgiu em 1998, o de trabalhar numa empresa que desenvolvia projetos para cursos de extensão, denominada NPG (Núcleo de Pós Graduação). Durante dois anos, exerci prazerosamente uma atividade ligada a pesquisas educacionais, voltadas ao desenvolvimento técnico de profissionais da Área de Nutrição e de Controle de Qualidade nas Indústrias de Análises de Alimentos.

Paralelamente aos projetos previstos pelo Núcleo de Pós Graduação, coordenado pelo Professor José Camargo, despertei minha atenção para uma área de propriedade do Colégio Passionista São Paulo da Cruz pelas possíveis atividades que poderiam ser realizadas na Área de Ciências da Natureza.

Pensei em conversar com a direção sobre a perspectiva de desenvolver projetos ambientais naquele lugar. Elaborei algumas propostas, mas antes de apresentá-las, fui surpreendido pela iniciativa da própria entidade escolar, que decidiu transformar o sítio num Centro de Educação Ambiental e Reserva Particular de Proteção Natural (RPPN). Para viabilizar o projeto, a escola contratou a empresa CPTI (Cooperativa de Serviços e Pesquisas Tecnológicas e Industriais) que realizou, de dezembro de 1999 a janeiro de 2000, um estudo sobre o local e o seu potencial para desenvolver a Educação Ambiental.

Logo após o término do trabalho dos profissionais da CPTI, o Colégio Passionista determinou que, os professores do Ensino Médio não deveriam trabalhar no Ensino Fundamental, para que os mesmos pudessem se dedicar com mais intensidade aos seus projetos. Foi quando deixei as aulas na então sétima série do Ensino Fundamental, para me dedicar ao Ensino Médio, ficando sem três aulas após essa mudança. Estava aguardando o momento de assinar a minha redução de aulas, ao ser surpreendido, durante uma reunião pedagógica, pela notícia de que as três aulas de Ciências seriam compensadas com um trabalho de pesquisa e implantação do Centro de Educação Ambiental, denominado Recanto Paulo da Cruz, iniciando assim o meu trabalho em projetos no Colégio Passionista São Paulo da Cruz.  

No ano de 2002, participei do primeiro concurso público e ingressei no cargo de Professor de Ciências Físicas e Biológica na Prefeitura Municipal de São Paulo, para maior estabilidade financeira.

Nessa época, trabalhava na EMEF Plínio Ayrosa, durante quatro dias da semana no período da tarde e um dia dedicado ao projeto de Educação Ambiental.

Minha tarefa, no Centro de Educação Ambiental, consistia em pôr em prática o Plano Diretor, homologado para o local, analisando os documentos, realizando pesquisas de equipamentos científicos relacionados à medição ambiental (pluviômetros, termômetros, barômetros etc.), elaborando subprojetos de implantação de atividades de manejo orgânico e de otimização de energia entre outros. Bem, todas estas tarefas tornaram as tardes de quartas-feiras, as mais esperadas da semana, seja pela convivência com técnicos e pesquisadores como pelo conhecimento de tecnologias e equipamentos.

Com o passar do tempo o grau de maturidade das atividades de pesquisa e da implantação dos projetos ambientais chegaram a um problema: Como atender a demanda de serviços e responder às expectativas da escola, trabalhando apenas uma tarde por semana?

O Centro de Educação Ambiental incentivou-me a fazer leituras de obras especializadas para entender o potencial daquela área de reserva natural. Resolvi investir num programa universitário da USP, para suprir a minha falta de referenciais na área de pesquisa educacional, deixada pela rotina exaustiva de sala de aula. 

Com mais embasamento teórico e com certa estagnação de projetos, devido ao meu pouco tempo de dedicação, justificável pela dupla jornada de trabalho, surge uma nova proposta: a ONG Educológico.

No final de 2008, a direção do Colégio Passionista São Paulo da Cruz ofereceu-me a oportunidade de ampliar o meu período dentro do projeto de Educação Ambiental. Com isso, ao mesmo tempo, deixei o cargo de Professor de Ciências, na Rede Municipal de São Paulo, para empreender com mais determinação à pesquisa ambiental, e ingressei no Programa de Mestrado da UNICID (Universidade Cidade de São Paulo). 

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